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Castigo físico traz danos duradouros à saúde das crianças, alerta OMS

Relatório da Organização Mundial da Saúde lista sobrecarga nos sistemas nervoso, cardiovascular e nutricional, além de alterações na estrutura e função cerebral

Danos à saúde mental e física, desenvolvimento cognitivo prejudicado, problemas comportamentais, aumento do comportamento antissocial e agressivo. Estes são alguns dos problemas que o castigo físico imposto a crianças pode trazer ao longo da vida, e que estão listados no relatório “Castigo corporal de crianças: impacto na saúde pública”, lançado pela Organização Mundial da Saúde neste mês de agosto.

Segundo o documento, estudos de neuroimagem sugerem que esses episódios de violência podem reduzir o volume da substância cinzenta do cérebro, em áreas associadas ao desempenho cognitivo.

Também são citados estudos que reforçam a associação com problemas de saúde mental – incluindo depressão, baixa autoestima, transtorno de ansiedade, automutilação, abuso de álcool e drogas e tendências suicidas, que persistem na idade adulta.

Apesar disso, a OMS reconhece que esse é o tipo mais comum de violência contra crianças. Aproximadamente 1,2 bilhão de crianças entre 0 e 18 anos são submetidas a castigos físicos dentro de casa por ano. Em alguns países, a violência também ocorre na escola ou em outros ambientes.

Crianças pequenas também são alvo

Os castigos físicos também são comuns entre as crianças pequenas. Dados do UNICEF compilados neste relatório mostram que 330 milhões de crianças com menos de cinco anos são punidas fisicamente regularmente por ano - exatamente a faixa considerada mais crítica por especialistas.

“A violência tem um impacto negativo, independentemente do estágio do desenvolvimento. Mas uma criança que vem sofrendo violência desde a infância, que é quando o cérebro está no seu maior desenvolvimento, isso tem um impacto no seu cérebro. Então vai refletir na aprendizagem da criança e vai gerando um custo muito alto em questões de saúde”, explica Elisa Altafim, professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Mental da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto. Ela também é uma das autoras de um documento sobre prevenção de violência contra as crianças do Núcleo Ciência pela Infância.

Leis de proteção

Atualmente, 67 países têm leis que proíbem o castigo físico para crianças e o Brasil está entre eles. “A gente tem leis muito fortes. Isso nos ajuda, mas ainda a gente tem um alto índice de violência. Isso das violências que são notificadas, porque a gente tem ainda uma subnotificação, demonstrada em vários relatórios”, diz Elisa.

A professora acredita que para além da legislação, é necessária uma mudança cultural. “A gente tem muitas famílias que foram cuidadas e educadas por tapas e palmadas. Então, muitas vezes eles acabam utilizando as mesmas práticas nas quais eles foram educados. Vira um ciclo intergeracional de violência.”

“Muitas vezes, os pais acabam batendo nos seus filhos, gritando, usando estratégias negativas no momento da raiva, porque não conseguem regular suas emoções. Também utilizam por falta de conhecimento sobre o desenvolvimento da criança e por desconhecimento de práticas que realmente funcionem”, afirma Elisa.

Ela ressalta a importância dos programas de parentalidade, oferecidos hoje por governos na esfera federal e municipal. “São programas que apoiam os pais para que eles utilizem outras práticas que não as práticas negativas. Abordam diferentes estratégias que são baseadas em evidências.”

Elisa faz uma comparação didática: “Antigamente, a gente também não sabia da importância, por exemplo, de usar o cinto de segurança. Hoje a gente já sabe. A mesma coisa serve para a punição física. Antigamente, a gente não sabia das consequências. Hoje, a gente já sabe”, afirma.

As consequências podem, inclusive, ser econômicas. Segundo o relatório da OMS, toda a violência contra crianças custa anualmente de 2 a 5% do PIB mundial. Além disso, a inação contra a violência escolar, incluindo o castigo corporal, custa cerca de US$ 11 bilhões em rendimentos perdidos ao longo da vida, segundo cálculo do Banco Mundial.

Fonte: CNN Brasil