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Choro não é birra: como lidar com o estresse das crianças sem violência

Na porta da escola, Luísa, de 7 anos, chorava e se agarrava aos pais. O nascimento do irmão, Arthur, havia mexido com seu mundo interno. Ela temia perder espaço no coração da família. Ao perceber a delicadeza da situação, os educadores criaram uma estratégia lúdica. Todos os dias, uma “fada” deixava uma carta com atividades especiais para a menina. O encantamento transformou lágrimas em alegria. A resistência em entrar virou entusiasmo. O que poderia ser visto como “birra” era, na verdade, frustração diante de uma mudança emocional intensa.

Para a psicóloga Márcia Tosin, autora do best-seller Criação Neurocompatível, esse exemplo ilustra o equívoco de reduzir episódios complexos da infância à palavra birra. “Quando chamamos o comportamento de birra, escondemos toda a complexidade do que está acontecendo. Essa palavra carrega um peso cultural: sugere que a criança faz de propósito para incomodar o adulto. Mas o que chamamos de birra é, na verdade, um colapso de autorregulação, um cérebro ainda imaturo tentando dar conta de emoções intensas”, explica.

Márcia defende que mudar a palavra é mudar o olhar e, consequentemente, mudar a forma de educar. “O choro não é drama, a raiva não é manha, a tristeza não é frescura. Quando o adulto deslegitima emoções, exige da criança uma maturidade que ela ainda não pode ter. Ao nomear de outra forma, como crise emocional, dificuldade de autorregulação, explosão de sentimentos, abrimos espaço para enxergar a criança como sujeito em crescimento, não como um pequeno rebelde”, afirma a psicóloga.

Na avaliação dela, usar o termo birra está diretamente ligado ao adultocentrismo — a visão de que o adulto é o centro e não deve ser incomodado. “Essa postura impede empatia, compreensão e respostas educativas mais saudáveis.”

Cérebro em construção
A neurociência explica por que as crianças apresentam esse comportamento diante das frustrações. O córtex pré-frontal, responsável por regular impulsos, ainda está em desenvolvimento. Já a amígdala cerebral, que dispara reações de luta, fuga ou congelamento, age de forma imediata.

“Respeitar é reconhecer que esses colapsos não são ataques intencionais. A criança não consegue se regular sozinha justamente por essa imaturidade. Ela precisa do adulto como corregulador. Quando encontra calma no outro, vai, pouco a pouco, construindo trilhas neurais de autorregulação”, detalha Márcia.

A terapeuta ocupacional Pabline Cavalcante complementa que, além de episódios como o da Luisa, a frustração pode se manifestar de formas emocionais, motoras, sociais e sensoriais. “Na prática, vemos gritos, choros, mordidas, tapas, jogar objetos ou até paralisação. O primeiro passo, em qualquer ambiente, é garantir que a criança se sinta segura.”

Pabline explica que a criança também pode apresentar o comportamento por causa do excesso de estímulos sensoriais como barulho, luz ou toques que ultrapassam a capacidade de processamento do cérebro. Além disso, o que parece birra pode ser ainda uma necessidade básica não atendida, como sono, fome, higiene ou contato e conexão com o adulto cuidador.

Estratégias eficazes incluem compreensão dos pais, da família, da escola e da sociedade sobre o processo de desenvolvimento humano. Pabline também destaca a importância de ambientes que permitam à criança correr, pular ou dançar para se reorganizar, além de rotinas visuais que antecipam atividades cotidianas ou mudanças.

A voz das famílias
Para os pais, lidar com frustrações exige prática, paciência e muito autocontrole. A jornalista Luciane Improta, mãe da Olívia, de 2 anos, diz que o maior desafio é se manter calma diante do choro intenso. “Para nós, adultos, parece desproporcional. Mas, para a criança, é muito importante. Nosso esforço é justamente esse: estar calmos para conseguir acalmá-la, validar o sentimento e explicar com palavras o que está acontecendo para que a criança aprenda a identificar as emoções.”

A vivência em ambiente escolar também ensina a família que não se trata de violência intencional. “A escola nos orientou que nem sempre é fazer o que a criança quer, é que reforçar o limite por meio das palavras ajuda até mesmo a criança a se sentir segura. Hoje, vemos mudanças: choros mais curtos, pausas para refletir e até o uso de palavras no lugar de gestos impulsivos.”

Já a família de Luísa e Arthur viu a parceria da escola transformar um momento de insegurança em encantamento. “Sentimos que não estavam acolhendo só a criança, mas toda a família. Esse olhar individualizado fez com que a Luísa se sentisse vista, amada e respeitada, mesmo em meio ao turbilhão emocional que vivia em casa”, afirma a mãe, Cristiane Teixeira.

Como diferenciar frustração de sobrecarga sensorial

Frustração

Surge diante de um desejo negado. Reações como choro, raiva ou protesto tendem a se resolver com acolhimento

Sobrecarga sensorial

Causada por excesso de estímulos (barulho, luz,toques). A criança pode tapar os ouvidos, fechar os olhos ou tentar fugir. A reorganização leva mais tempo

Como agir nessas situações

    • Criar ambientesde calma, com menos estímulos visuais e auditivos
    • Antecipar mudanças na rotina, oferecendo previsibilidade
    • Promover conversas para nomear emoções
    • Permitir intervalos de movimento (correr, pular, dançar)
    • Apoiar professores e famílias com formação contínua

Fonte: Correio Braziliense - DF